Contra factos, a narrativa
“O primeiro-ministro é mentiroso”. Esta asserção é o centro da narrativa sobre o envolvimento de Sócrates na tentativa de compra da Media Capital pela PT.
Em Junho, da primeira vez que foi confrontado na AR com a possibilidade de negócio, alegou desconhecimento. A narrativa, devidamente baseada em escutas descontextualizadas, sugere-nos que Sócrates mentiu aos deputados. Vozes da "política de verdade" têm, aliás, alegado o mesmo. Somos levados a acreditar na imagem de um primeiro-ministro mentiroso. Tudo vai nesse sentido. Tanto mais que Sócrates tem revelado uma preocupação inusitada com o que a comunicação social diz de si, o que se traduzirá automaticamente num impulso controleiro de facto. Conclusão: Sócrates não só saberia do negócio como seria autor moral da sua concretização. E se não tiver sido assim?
A pergunta é tão insólita que ninguém está disposto a colocá-la. A tendência é de tal modo claustrofóbica que se surgirem factos que contrariem a narrativa, ninguém quererá saber da força dos factos. Contra factos, o que conta é a narrativa, ardilosamente construída.
Depois de três meses fechado numa gaveta, contribuindo para o adensar das suspeitas, na sexta-feira passada foi tornado público o despacho de arquivamento do Procurador-Geral da República - que, ao contrário de nós que conhecemos apenas o que os media querem que conheçamos, contactou com a integralidade dos elementos processuais. O despacho não só é claro, como transcreve uma escuta censurada pelo SOL e que contradiz na raiz a tese do pasquim. Antes de mais, para Pinto Monteiro "não existe uma só menção de que (o primeiro-ministro) tenha proposto, sugerido ou apoiado qualquer plano de interferência na comunicação social. (...) Ao invés, há nas escutas notícia do descontentamento do primeiro-ministro, resultante de não terem falado com ele acerca da operação". E aqui chegamos à escuta de uma conversa entre Rui Pedro Soares e Paulo Penedos, cirurgicamente censurada pelo SOL: "devia ter tido a cautela de falar com o Sócrates... não falei e o gajo não quer o negócio. Era isto que eu temia. Acho que o Henrique não falou com ele, o Zeinal não com falou com ele... eh pá.. agora ele está todo fodido. Está todo fodido e com razão."
Sócrates não só desconhecia o negócio, como estava contra a sua realização. Fica assim provado o que é verdadeiramente pornográfico: a irrelevância deste facto perante o que aparentava ser uma boa história. Só assim se explica o carácter quase clandestino das revelações de sexta-feira. Ninguém duvida que a relação de Sócrates com os media criou um clima propício a esta narrativa, que há no enredo personagens muito pouco recomendáveis e muito por explicar, mas convinha que não se tomassem como bons, de modo tão crédulo, episódios que afinal não existiram.
“O primeiro-ministro é mentiroso”. Esta asserção é o centro da narrativa sobre o envolvimento de Sócrates na tentativa de compra da Media Capital pela PT.
Em Junho, da primeira vez que foi confrontado na AR com a possibilidade de negócio, alegou desconhecimento. A narrativa, devidamente baseada em escutas descontextualizadas, sugere-nos que Sócrates mentiu aos deputados. Vozes da "política de verdade" têm, aliás, alegado o mesmo. Somos levados a acreditar na imagem de um primeiro-ministro mentiroso. Tudo vai nesse sentido. Tanto mais que Sócrates tem revelado uma preocupação inusitada com o que a comunicação social diz de si, o que se traduzirá automaticamente num impulso controleiro de facto. Conclusão: Sócrates não só saberia do negócio como seria autor moral da sua concretização. E se não tiver sido assim?
A pergunta é tão insólita que ninguém está disposto a colocá-la. A tendência é de tal modo claustrofóbica que se surgirem factos que contrariem a narrativa, ninguém quererá saber da força dos factos. Contra factos, o que conta é a narrativa, ardilosamente construída.
Depois de três meses fechado numa gaveta, contribuindo para o adensar das suspeitas, na sexta-feira passada foi tornado público o despacho de arquivamento do Procurador-Geral da República - que, ao contrário de nós que conhecemos apenas o que os media querem que conheçamos, contactou com a integralidade dos elementos processuais. O despacho não só é claro, como transcreve uma escuta censurada pelo SOL e que contradiz na raiz a tese do pasquim. Antes de mais, para Pinto Monteiro "não existe uma só menção de que (o primeiro-ministro) tenha proposto, sugerido ou apoiado qualquer plano de interferência na comunicação social. (...) Ao invés, há nas escutas notícia do descontentamento do primeiro-ministro, resultante de não terem falado com ele acerca da operação". E aqui chegamos à escuta de uma conversa entre Rui Pedro Soares e Paulo Penedos, cirurgicamente censurada pelo SOL: "devia ter tido a cautela de falar com o Sócrates... não falei e o gajo não quer o negócio. Era isto que eu temia. Acho que o Henrique não falou com ele, o Zeinal não com falou com ele... eh pá.. agora ele está todo fodido. Está todo fodido e com razão."
Sócrates não só desconhecia o negócio, como estava contra a sua realização. Fica assim provado o que é verdadeiramente pornográfico: a irrelevância deste facto perante o que aparentava ser uma boa história. Só assim se explica o carácter quase clandestino das revelações de sexta-feira. Ninguém duvida que a relação de Sócrates com os media criou um clima propício a esta narrativa, que há no enredo personagens muito pouco recomendáveis e muito por explicar, mas convinha que não se tomassem como bons, de modo tão crédulo, episódios que afinal não existiram.
Pedro Adão e Silva, Professor universitário. aqui
Sem comentários:
Enviar um comentário